As mãos da obra : Histórias e reflexões de uma arquiteta no canteiro
A convivência e a administração de um canteiro de obras nem sempre é uma tarefa que eu possa chamar de fácil. Longe disso. Como responsáveis técnicos pelo bom andamento da execução de um projeto, temos que gerenciar muitas pessoas envolvidas. Os clientes, que afinal são as pessoas que pagam o serviço. Os fornecedores, que algumas vezes atrasam, nem sempre por sua culpa. E a mão de obra. Normalmente, com honrosas exceções, a equipe de trabalho de um canteiro de obras é predominantemente masculina e tem suas peculiaridades. Falo com conhecimento de caso, com mais de 40 anos dedicados à execuções de meus projetos. Por conhecer bem este terreno, a leitura do livro "As Mãos da Obra", de Shirlei Zonis foi, além de muito minuciosa em sua explanação, extremamente deliciosa pela abordagem diferenciada da que normalmente costumava ter.
A autora já tinha se debruçado sobre a relação entre arquitetis e clientes com a lupa da psicanálise em seu primeiro livro, Arquitetura no divã. Nesta obra, Shirlei Zonis mergulha em um tema interessante e pouco explorado: a relação complexa entre arquitetos e os trabalhadores da construção civil. Essa realidade, muitas vezes esquecida nos cursos de arquitetura, é crucial para o dia a dia da profissão. Quem transita pelo universo da construção sabe que das boas parcerias nasce um trabalho final mais afinado. E não apenas isso, mas principalmente, uma trajetória bem mais azeitada e, muitas vezes, sem atrasos.
Partindo de sua vasta experiência em arquitetura unidas à visão da psicanálise, desfilam pela nossa leitura histórias reais e emocionantes de operários, pedreiros, mestres de obra e outros profissionais. Histórias que geralmente ficam invisíveis. Ela mostra os desafios dessa relação, marcada por diferenças de poder, desigualdades sociais e problemas de comunicação.
Somo convidados a mergulhar na complexa teia de relações humanas que existe dentro de um canteiro de obras. Através dos seus relatos, se revelam dificuldades de se comunicar, diferenças de linguagem e realidades distintas que marcam essa interação tão importante.
"As Mãos da Obra" é um convite para termos mais empatia, reconhecermos e valorizarmos as pessoas que, com suor e mãos calejadas, transformam nossos sonhos em projetos arquitetônicos. É um livro que nos faz repensar as relações de poder e as desigualdades da sociedade brasileira, usando a arquitetura como ferramenta para mudar o mundo.
Pontos que me marcaram profundamente:
- A sensibilidade com que a autora retrata os trabalhadores da construção civil, reconhecendo suas lutas, desafios e sonhos.
- A análise psicanalítica das relações entre arquitetos, clientes e trabalhadores, que nos ajuda a entender as motivações e comportamentos de cada um.
- A crítica à hierarquia presente na construção civil, que desvaloriza o trabalho manual e a expertise dos trabalhadores.
- O convite à reflexão sobre o papel do arquiteto como agente de transformação social, capaz de promover relações mais justas e humanas no canteiro de obras.
Em resumo, "As Mãos da Obra" é uma obra imperdível para quem busca uma arquitetura mais humanizada, justa e inclusiva. Recomendo fortemente a leitura deste livro a todos os arquitetos, estudantes de arquitetura, profissionais da construção civil e a qualquer pessoa que se interesse por relações humanas, trabalho e o papel da arquitetura na sociedade. É um livro que nos convida a olhar para além dos projetos e reconhecer a imensa contribuição humana por trás de cada tijolo colocado, de cada parede erguida e de cada sonho realizado.
Elenara, que resenha sensível e empática. Obrigada, e fico tão feliz com a sua leitura. Creio que temos todos os envolvidos muito em comum...basta compartilhar. um grande abraço, Shirlei
ResponderExcluirShirlei, que prazer foi a leitura da tua obra. Reconheci tantas situações que vivi e vivo. Me auxiliou muito a olhar de outra maneira situações tensas, complicadas. Obrigada!
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