A Páscoa sempre foi das festas bem comemoradas em nossa casa. Meu pai contava histórias, como o milagre da macela que só se encontrava na sexta feira santa, ainda de madrugada. Para ele, na sua infância, isso era uma mostra do poder divino de Deus. Lembro da sua risada divertida falando sobre isso. Mas segundo recordações de irmãos mais velhos, eles, embora não praticantes, respeitavam as tradições de guardar um certo respeito na sexta da paixão. Nada de músicas, nada de risadas muito altas, mas tinha a maionese de bacalhau da vó de origem portuguesa. A Páscoa era festa da esperança. Depois do martírio de Jesus, visto em infinitos filmes de sessão da tarde, vinha a malhação do Judas no sábado. Pode bater no safado que ele merece. Melhor bater no boneco naquela alegria inconsequente e soltar a raiva do delator, que extravasar de outras maneiras mais nocivas. E no domingo tinha o coelhinho que teimava em não facilitar a vida da gente, escondendo as delícias que colocava nas caixas de sapatos que a gente enfeitava com mil reciclagens de papéis coloridos. E aí tudo terminava em festa.
Os chocolates eram poucos, os ovos eram pintados e recheados em casa e os coelhos eram de um açúcar muito duro. Tinham balas de goma, amendoim torrado e uns ovinhos de chocolate bem pequenos. Essa coisa de ovos grandes foi surgir muito mais tarde.
Páscoa era festa que a gente participava muito. Não era orgia de comer, embora fosse. Era preparo de ninho, era busca de ovos escondidos, era espera. E espera é sempre muito bom.
Às vezes espera é quase melhor que a festa.
Tinham cartões de coelhos e sempre uma frase bacana para trocar felicidades e desejar esperança na ressureição.
Havia esperança além da morte.
Havia pais e mães. E avós e tios. E muitas crianças brincando sem atentar para aquela barbárie que fizeram ao Deus Jesus. Tortura, delação, perseguição, assassinato. Um cara tão bacana que só queria ofertar a outra face e que todos se amassem no mundo. Por sorte aquelas imagens feias de sangue e terror eram logo substituídas pela festa da vida que se renova, e a garotada ia aprendendo que a esperança é um sentimento bacana de sentir.
A gente nem tinha ideia que a Páscoa reunia várias festas de várias tradições e culturas. De onde vinha o coelhinho, símbolo de fertilidade, e portanto de vida, nem interessava, contanto que trouxesse ovos. Muitos ovos. Ovos deliciosos. E se a gente fosse mais abonado, esses ovos tinham que ser comidos com parcimônia para não dar dor de barriga na gurizada esganada.
Tenho duas lembranças de casa: uma de um ninho guardado e tão economizado que o gato descobriu e comeu. Outra do ninho escondido no alto do armário, e buscado pela menina sapeca que caiu, bateu a cabeça na chave e desistiu de ser chocólatra pelo resto da vida. Essa menina fui eu.
Lembro de guardar as cascas dos ovos que eram quebrados só na ponta, em uma delicadeza para que fossem limpos, pintados e posteriormente recheados de amendoim com açúcar. O pintar os ovos era uma atividade lúdica, feita por nós. O rechear também. Não gostava muito do produto final, mas a feitura da coisa...nossa, lembro até hoje da emoção.
Fazer o ninho também era outra festa. Uma montanha de caixas, papeis picotados, cola e criatividade. Cada um fazia a sua arte e deixava com os pais para que o coelho enchesse de guloseimas. E obviamente o escondesse em algum lugar da casa. O que deixava os adultos maravilhados e os pequenos desesperados de agonia. Cada um queria ser o primeiro a descobrir o seu.
Por isso a Páscoa me lembra alegria. Meu pai, que foi menino pobre e órfão, gostava de proporcionar o que não tinha tido em pequeno: Abundância. Ele e minha mãe tinham em si o embrião das crianças que nunca deixaram morrer e brindavam à vida com muita beleza e festa.
Então brindemos. Há esperança de renovação no ar. Que o coelhinho da Vida nos traga novos ares, novos motivos para sorrirmos e lembrarmos que os martírios não duram para sempre.
Feliz Páscoa!
Imagens retiradas do Google
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