Filosofando sobre janelas

 

Das janelas. Se as deixo abertas, e sempre deixo, a luz do dia vem me acordar de mansinho. Ou por vezes, uma insônia companheira me revela que a noite se ilumina com o reflexo da lua. As janelas existem bem por isso, para nos lembrar que a vida se expande além de nossas casas, que existe um mundo imenso. E se assustador, por vezes, as janelas nos protegem com sua aparente segurança de mostrar, mas não escancarar. Sempre podem ser fechadas. Raro saímos por elas. Não são portas. 

Não? Seu significado vem do latim vulgar januella, diminutivo de janua, -ae, porta, entrada) segundo Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/janela [consultado em 19-02-2022].

Entrada. Não por acaso quando começamos a navegar nos mundos virtuais, recorremos às janelas. Elas nos levam à novas percepções, muitas vezes maiores que as que percebemos no dia a dia.

Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles


Não a toa escolhi imagens de janelas tão amplas que mais parecem paredes de vidro que separam, mas unem.


A vida talvez se faça assim, de aparentes separações, mas de grandes uniões, nos mostrando que somos ligados ao mundo de forma visceral, embora nos ensinem cada vez mais o caminho do individualismo. As janelas acabam por nos mostrar, de forma categórica, que não adianta nos fecharmos em casulos, as aberturas nos convidam ao olhar para fora.



Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto

Quando o sol bater
Na janela do teu quarto,
Lembra e vê
Que o caminho é um só,

Porque esperar
Se podemos começar
Tudo de novo?
Agora mesmo.

A humanidade é desumana
Mas ainda temos chance,
O sol nasce pra todos,
Só não sabe quem não quer.

Até bem pouco tempo atrás,
Poderíamos mudar o mundo,
Quem roubou nossa coragem?
Tudo é dor,
E toda dor vem do desejo,
De não sentimos dor.

Renato Russo


Gosto dos dias luminosos. Sempre vejo através da minha janela, o movimento da cidade. Fico imaginando atrás de cada janela de cada prédio, o universo imenso que se esconde em sonhos e vidas. Há movimento de aberturas e fechamentos. Há cortinas e escancaramentos. Há possibilidades porque delas é feita a vida. 


De cada sonho desfeito, de cada sorriso gentil, de cada lágrima escorrida, de cada gato, cachorro, abelha e planta que se esgueira em surdos pedidos de sobrevivência, há nas janelas de todo o mundo um sofrido e ansioso grito de troca.


Há algo mágico nas janelas. Ventanas que correm o ar, que deixam a luz entrar, que ligam mundos. Há algo mágico em cada um de nós que nos sabe a união e à certeza de que o mundo é feito para todos e não para alguns. Há uma ingenuidade na tentativa de ligar/abrindo, proteger com vidro, esconder com transparência.

Há algo mágico em cada ser que habita esse planeta e que nos faz pensar que há que se ter olhos de ver e coragem de sentir desejo de não sentir dor.

Há que se salvar as janelas e a poesia que ainda restam em nós.

Urgentemente.


📷 Pinterest

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