Projetando o Bom Lugar
Imagine-se morrendo e sendo recebido com todas as honras em um Bom Lugar, eufemismo para a nossa ideia de paraíso onde além de sermos brindados com mimos e momentos mágicos, ainda somos unidos à nossa alma gêmea, sem nem precisar azarar ou procurar! Parece bom demais para ser verdade, não é mesmo? Pois nem nas séries isso acontece.
É o mote da série The Good Place.
Me rendi aos streamings mais populares e ando a cata de coisas interessantes para ver em tempos de isolamento social. Devorei as quatro temporadas em uma semana. E já ando saudosa de algumas referências e questionamentos da comédia que fala coisas serias fazendo a gente achar que está apenas se divertindo.
Primeiro:
Imagine ser arquiteto desse bairro modelo!!! Guardadas as proporções como vocês acham que os urbanistas e arquitetos se sentem ao planejar espaços para as pessoas? As ideias aparecem como as que melhor se adequem às pessoas para que cresçam e aproveitem a vida. As vezes a gente erra mesmo e o lugar de deleites acaba virando um inferno, mesmo que a gente tenha a melhor das intenções.
Agora imagine se pudesse concretizar suas ideias assim de supetão graças a uma Janet - uma não pessoa que guarda toda a sabedoria do universo dentro de si. E ainda pode servir uma marguerita ou um frozen iogurte nas horas vagas.
Segundo:
O tempo no Bom lugar é contado em Jeremy Bearmys. Na verdade não é muito diferente daqui. É só olhar com cuidado a forma acima e você vai entender que o tempo nem sempre anda em linha reta e nem sempre pode ser medido de maneira muito racional. Um tempo em tempo normal é muito diferente de um tempo em isolamento social. Um tempo na infância é muito diferente de um tempo na velhice. Uma vez capotei com um carro e nos segundos que ele rolava na grama e os vidros se quebravam na minha frente, toda a minha vida se passou como um filme de quadros. O tempo da saudade de amores distantes é diferente do tempo da chegada de uma sexta aguardada. O tempo da falta de um abraço é tão longo e enrolado nos dias atuais que deve levar muitos Jeremys Bearmys...
Terceiro
Um mundo cheio de regras com pontuação de boas e más ações. Boas contam pontos positivos, más podem levar aos infernos. Parece com algum ensinamento que já se aprendeu? Nem sempre funciona assim. Nem sempre o que se imagina como boas ações de pessoas de bem levam à bons resultados na melhoria de todos. Ou de um. Uma mentira caridosa pode salvar vidas. Onde a ética termina ou começa? Todas as vozes nas nossas cabeças dizendo assim ou assado nos levam exatamente para onde?
Quarto
Tudo perfeitamente projetado, tudo muito bem feito e de repente aquele bom lugar nada mais é que um lugar muito do ruim!
Acontece muito na vida real. Mesmo que os arquitetos tenham a melhor das intenções e o espaço tenha sido projetado com esmero. As vezes o lugar ruim nasce dentro da gente.
Quinto
Um botão de reinicializar tudo. Isso seria um espetáculo. Já imaginou se quando não está dando certo a gente pudesse simplesmente explodir tudo (metaforicamente ou não) e refazer de novo, tentando acertar? A boa notícia é que a gente pode na maior parte das vezes. O ótimo seria se a cada vez a gente começasse melhor, como acontece com as Janets e os Dereks na série. Sonho meu.
Sexto:
A possibilidade de se viajar para qualquer lugar, de modo virtual, mas parecendo real. Juro que me senti visitando a Àgora junto com Eleanor e Chidi. Não metaforicamente é o que milhares de pessoas tem feito nesses tempos em que o deslocamento real se torna praticamente impossível. Viajar em pensamentos sempre nos ajuda a perceber nosso interior e o que realmente queremos de nossas vidas.
Sétimo
Filosofar de modo divertido, pensando nas relações de projeto/pessoa e de como podemos mudar para melhor foi das coisas mais divertidas dos últimos dias. E mais impactantes porque me fez chorar de muita emoção, trazendo também a lembrança de um livro que ganhei de uma amiga muitas décadas atrás.
Somos de certa maneira ondas à procura do mar. As ondas se formam, navegam, batem na praia, morrem mas a água permanece e volta ao oceano.
De nossas essências permanece nossa luz, nosso exemplo, nossos amores e atos. Porque deles é feita a vida que se nos apresenta para ser vivida com ousadia e beleza.
Esta é sem dúvida a melhor maneira de projetar um bom lugar para nós e para os outros.
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