Tachos de cobre e a reflexão sobre a vida
Tenho notado em minhas pesquisas sobre espaços como essa apropriação de objetos com história vem calando fundo nas pessoas. Já mostrei vários espaços, inclusive comerciais, que mostram como valorizar o passado faz o presente mais bonito.
Mas eis que, no meio de uma pesquisa sobre crônicas dos anos 40, encontro uma pérola de Rubem Braga chamada O Funileiro.
Rubem Braga (1913/1990) é considerado um dos grandes cronistas brasileiros. Talvez o mais fiel e melhor. A crônica, esse gênero de escrita que se aproxima ao jornalismo tem muito a ver com o que se faz em blogs. Alguns melhores que os outros, alguns com fina maestria como Rubem.
Em maio de 1949, ele narra o encontro com um funileiro, vindo do sul, em sua rua, na zona sul carioca. Quando o viu, pensou em lhe encomendar um tacho de cobre.
Interrompo para dizer que no momento em que lia, voltei no tempo. Minha mãe fazia geleias em casa. Não lembro se em um tacho de cobre, mas a gente sempre brincava com ela que íamos dar um de presente quando já éramos adultos, para que ela voltasse a fazer aquelas delícias. Ela nos devolvia um sorriso zombeteiro e dizia: jamais! Faço agora só de brincadeira, cansei, não quero mais compromisso de encostar a barriga no fogão!
E é como na crônica onde o genial Rubem também reflete que jamais o funileiro conseguiria reproduzir as sensações da infância, os cheiros e sons que já não existem, a não ser na nossa memória.
E faz uma ponderação que me deixou reflexiva...
Que é inútil usar uma parte da própria história como objeto de decoração. Seria como se a pureza e beleza de algo se corrompesse por um uso indevido. Talvez dito assim pareça não fazer sentido aos nossos olhos contemporâneos. Mas ele diz com tal poesia e verdade que se torna quase incontestável.
Uma coisa antiga deixa de ter autenticidade e vira uma outra coisa. Uma cuba de banheiro, um vaso de flores, um enfeite na parede.
Confesso que me tocou. Eu que junto pés de máquinas onde mãos desconhecidas cozeram vidas, fazendo deles ponte para as lembranças da infância, do barulho de minha vó mexendo infinitamente seus pés na delicada arte de costurar. Arte que lhe rendeu a vida, viúva que ficou muito cedo.
Nesses tempos em que as recordações se fazem prementes e que os velhos se tornam descartáveis, fazer de conta que temos memórias pelo uso de peças que nada nos dizem continua a ser inútil.
Compreender os caminhos que a vida se faz, que os atos e ações de todos conformam a cidade, a aldeia, o mundo, talvez nos faça perceber a inutilidade do egoísmo que o exacerbado individualismo nos leva a praticar.
Ninguém vive só. As memórias nos formam. Mais que enfeites, moram dentro de nossa história. Resgata-las para a vida também nasce de dentro.
Imagens: Pinterest
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