Visita à arte na cidade dos mortos

Visitei a cidade dos mortos. 
Poucas vezes fui a um cemitério por motivos outros que não a partida de alguém amado/conhecido. 
Uma vez por desafio, era noite, em outro país. Outra a passeio, também em outro país. E agora para conhecer a arte funerária em um cemitério de minha cidade.
O desafio desta veio de um almoço Clio onde a professora Dra Luiza Neitzke nos apresentou um panorama onde a "arte revela símbolos, conhecimento, poéticas de muitas eras e a história social e de nós mesmos."

Passando pelas inspirações de cemitérios europeus onde a arte funerária vinha ornar os túmulos porto alegrenses, em cópias de maior ou menor rigor estético. 
As cópias mais utilizadas, as histórias de amor e perda, e imagens simbólicas que retratam as saudades dos mais abastados que conseguiam se distinguir até na finitude.

Após a palestra do almoço fomos em grupo ao mais antigo cemitério da cidade: o Cemitério da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia.

Túmulo do senador gaúcho Pinheiro Machado, fruto de um concurso com que o governo do estado manifestou sua homenagem ao político assassinado. O escultor Pinto do Couto venceu e o resultado pode ser visto na foto de 1923 acima. E na de baixo a que tirei durante a visita.
É uma obra monumental, com vários simbolismos e com riqueza de detalhes que mostram o político em seu leito de morte, despido como veio ao mundo e como dele parte. 
A parte de trás do monumento tem uma belíssima porta que o conduz à imortalidade, sendo ele a figura representada a direita, em posição altiva para entrar na história.
Caminhar pelas passagens do campo santo nos faz pensar na nossa transitoriedade. A nossa relação com a saudade vem mudando e paulatinamente, a preocupação das pessoas se volta mais para vida terrena do que para uma possível marca de memórias. Das sepulturas, ricas ou pobres, que eram visitadas e cuidadas com mais afinco, com recursos humanos e monetários, nem sempre disponíveis, passamos ao fortalecimento do ato de cremação. 

Nota-se no cemitério alguns túmulos de aristocratas que hoje pousam abandonados. Alguns espaços de outros cemitérios foram despejados para a construção de crematórios e/ou estacionamentos, acarretando abalos não apenas de perda de patrimônio histórico e artístico, mas de sentimentos doloridos de reviver a morte de seres queridos. 

Talvez um dia, esses espaços se tornem apenas memórias históricas de uma época onde as pessoas desejassem ser perpetuadas em forma de magnificas homenagens que sinalizassem seu último contato com a vida que um dia tiveram.
“Tem a entrada principal e os corredores secundários, quem ficava nessa área central eram as pessoas mais importantes da cidade, por exemplo, condes e baronesas. Só que os túmulos são simples, porque eles não tinham socialmente essa ideia de fazer grandes monumentos para se mostrar, pois o status social já estava no título deles. E aí quando chega o século 20, a burguesia industrial também quer um destaque, então se tira esse jardim da frente e se faz um quadro mais à frente do quadro principal e ainda fazem toda essa ornamentação estatuária” Juliana Mohr dos Santos, historiadora da Santa Casa
Túmulo do Intendente Municipal Otávio Rocha, falecido em 1928. Como grande impulsionador de reformas e mudanças na urbanização da cidade, a estátua mostra um pergaminho com o mapa de Porto Alegre e acima uma cidade com grandes obras de viárias, sinalizando suas obras. Aqui a professora Luiza Neitzke completa sua palestra no Studio Clio com uma amostra do passeio que costuma realizar nos cemitérios municipais.
Professor Francisco Marshall nos falando sobre os significados dos símbolos de arte funerária.
Imagens impressionantes e bastante sensuais para o local podem ser encontradas como este anjo, uma figura com características femininas, cópia bastante elaborada de originais europeus que eram aqui vendidos por catálogos. A imagem é de uma beleza perene, parece nos mirar fixamente ao mesmo tempo que vela o falecido com uma aparente lassidão, como se dissesse que o inevitável acabará por nos levar também.

A dor e a consolação nos traz uma representação feminina peculiar em sua posição proeminente e sua nudez, única nos cemitérios locais.

Nas suas alamedas com estátuas simbólicas de pranto, religião, esperança e morte, passamos pelas mensagens que a casa dos mortos nos deixa, os que ainda vivemos e ali passeamos com curiosidade histórica e respeito.
E que ainda conseguimos nos sensibilizar com pequenos e singelos detalhes de vida e morte que encontramos pelos caminhos.
Na vida que teima em reinar soberana sobre a finitude.
Na beleza do mármore quase perfeito que chama à sensualidade do toque aveludado. 
Nos efeitos da luz que, vinda da claraboia, faz do Mausoléu dos Mostardeiro um espaço azul que mescla influência egípcia e católica.  
Passamos pela ainda atual preocupação com a casa eterna, como o túmulo do soldado que a erigiu em vida. Falecido recentemente, o monumento em estilo discutível traz não apenas sua foto como a de sua esposa que ainda vive...
Artistas famosos também se retratam, como Teixeirinha, um dos mais visitados ainda a cada dia de Finados.
E o mais escondido túmulo do artista Iberê Camargo que tem uma concepção bem mais contemporânea e é um dos poucos que conta com assinatura do falecido incrustada. As feitas em cobre ou outros materiais, mais comuns, acabam sendo vítimas do vandalismo que ataca também os mortos. 

 E a lua, quase como se fosse um pontinho esquecido nos céus, embeleza a eternidade dos que se fizeram lembrar pelos seus monumentos.

Sobre o almoço

Gastronomia chef Carine Tigre
Entrada:
Homus e pitta com azeite de zattar

Principal:
Arroz negro caldoso, peixe assado no tahine, tomate confit e nozes.
Sobremesa:
Massa phillo recheada com creme, frutas e calda de flor laranjeira


Para quem curte, haverá uma caminhada cultural noturna no dia 13/9/2019. Há passeios frequentes que podem ser pesquisados AQUI 

Veja mais imagens de arte funerária AQUI

Fotos : Elenara Stein Leitão

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