Revisitando uma cidade especial - Brasília

"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas." Italo Calvino
Vista dos poderes a partir do Anexo IV da Câmara 
 Lá pelos anos 70 fui parar no Planalto Central. Para a pré adolescente de 13 anos entrar dentro de um carro e migrar para a capital federal era uma aventura fantástica! Tudo era novidade e eu nem fazia noção de que a liberdade estava longe de nosso país.

Brasília era uma cidade nova, de apenas 10 anos. Seus moradores também tinham vindo de outros estados assim como eu. O barro vermelho, que o redemoinho de areia ressaltava nas quadras ainda carentes de vegetação, parecia cena de cinema. Foi assim que iniciei uma nova etapa de vida que duraria sete anos e me proporcionaria lindas amizades. E um vestibular em 74 me abriu as portas da profissão fascinante que é a Arquitetura. 

Em 76 voltei ao RS. Deixei amigos, deixei parentes. Deixei uma cidade que me conquistou. 

Nos anos de ausência voltei apenas três vezes. A última em 1986. Exatos trinta anos atrás.

E quando precisei me recuperar física e emocionalmente, voltei à Brasília em busca de sua energia boa. E reencontrei. Me reencontrei. 
Exposição Quadrantes onde meu sobrinho Paulo Stein está expondo
Uma das primeiras perguntas que me fizeram foi qual a diferença que tinha visto na cidade. E respondendo sinceramente, apesar do inchaço populacional, em um primeiro momento o que vi foi a minha Brasília. A cidade que me viu adolescer com suas ruas largas e muito organizadas. O espaço amplo me fascina. Eu tive uma sensação de claustrofobia quando voltei à Porto Alegre com seus edifícios altos e ruas estreitas. E, se por um lado, a falta de oportunidades de caminhar a pé me faz falta em Brasília (uma cidade onde as pessoas tem cabeça, tronco e rodas), por outro a sensação de amplidão me faz muito bem! Magias do espaço.      
Vista da Catedral pelos fundos
A arquiteta que vive em mim também percebeu alguns senões: as quadras mais antigas já começam a mostrar os sinais inexoráveis do tempo. Com seus edifícios com 50, 40 anos já revelando a necessidade de muita manutenção. Os hábitos e necessidades se modificaram muito. Já não há espaço para estacionar tantos carros. O transporte público ainda é precário e não há ciclovias na maioria das grandes avenidas onde os carros voam.

Mas se um pedestre puser o pé nas faixas de segurança, todos os carros param. Sim! Em Brasília, nesse aspecto, se vive no primeiro mundo.  
Banco Central do Brasil
 Novos bairros habitacionais começam a surgir. As asas, tanto a Sul que já era mais habitada quando eu morava por lá, como a Norte que cresceu nos anos seguintes, são estanques. E com um preço bem alto em função do gabarito de altura e áreas verdes. O setor Sudoeste e Noroeste vem suprir a demanda de habitações mais modernas e mais acessíveis. Sem falar das cidades satélites que, no meu tempo, eram meros dormitórios, e hoje são pujantes e densamente povoadas.    
Pontão do Lago Sul
O Lago Paranoá funciona como um balsamo em uma cidade sem rios e com um período de muita seca. Ele já era muito bacana na minha época e passei muitos momentos agradáveis nos clubes às suas margens.

Hoje essa proposta aumentou. Há espaços privados que oferecem várias alternativas de lazer. E parece que há uma iniciativa do governo local de utilizar de forma pública os espaços ao redor do lago. 

De qualquer maneira, ele é muito usado em vários tipos de esportes náuticos e vários condomínios de padrão elevado estão surgindo às suas margens.  
Lago Paranoá
O cerrado. Vegetação típica que cresce para baixo. Informação que nunca esqueci em um trabalho de feira de ciências no ginásio que cursei em Brasília. 
Jardim Botânico
Fui admirar essa espécie e outras no Jardim Botânico. Para mim, novidade. E para minha surpresa, encontrei um local cheio de gente, com uma proposta de fazer cafés da manhã como se fossem piqueniques. 

Jardim Botânico
O poder. Muitas pessoas confundem a cidade com os governantes e representantes que a ocupam no momento. Eu nunca fiz isso. Nem mesmo na época da Ditadura. A cidade é composta de seus espaços, sua proposta de organização, de sua natureza e de sua energia.

Mas é obvio que também não se pode esquecer que ali moram e decidem sobre nossos rumos os representantes que elegemos. E onde os poderes judiciários decidem sobre o que pode ou não ser feito. E onde os países tem as suas representações diplomáticas. Assim, Brasília respira poder. 

Mas nessa visita, mesmo em meio à um momento turbulento da vida nacional, este poder não se fez sentir para mim de forma como sentia na época em que morava lá. Me perguntaram se vi políticos. Não. A cidade cresceu. Eu já não vivo a rotina de estudar nos mesmos colégios de filhos de ministros e/ou diplomatas. Eu fui para Brasília descansar. E a proximidade física do poder não me impediu.    
Arriamento da Bandeira Nacional no Palácio da Alvorada
 A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata - Italo Calvino
pôr do sol fabuloso de Brasília
 Duas coisas são fascinantes em Brasília. Sua natureza que é representada pelo segundo por do sol mais lindo do Brasil (depois do de Porto Alegre - embora existam divergências bairrísticas). E a Arquitetura.

Impossível conhecer a cidade sem se debruçar pela sua proposta planificadora e modernista. E os edifícios símbolos. 

Deles para mim, o melhor é o Itamaraty. Não sei sobre a sua funcionalidade. Mas a sua forma é realmente algo de calar fundo na alma como pura poesia. Os prédios administrativos estão há muito defasados, e anexos se juntam ao perfil da esplanada. Uma lição: assim como a vida, a arquitetura se expande. A vida não se conforma à planejamentos estanques. 

Os prédios mais recentes, do Niemeyer e de outros, não me encantaram. Nenhum me fez dar um OH de admiração. Me parece que nossa arquitetura precisa de um novo sopro de renovação. Seja no setor estatal, seja no privado. E nossa capital reflete isso. 

Ponte Juscelino Kubitschek 

A proposta era de descanso. Isso consegui com muito carinho dos amigos e parentes. E mais uma vez me reafirmou que Brasília e eu temos uma relação de cumplicidade e energia boa muito forte.

E você? Já sentiu isso em relação à algum local ou cidade? Algum lugar que lhe realimente a alma? Se sim, conta pra gente! Vou adorar saber!

Fotos: Elenara Stein Leitão

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