Carta de 1941 conta sobre a enchente em Porto Alegre - atualizada para 2024
A enchente de 1941, que foi a maior registrada em Porto Alegre deixou 70 mil flagelados sem energia elétrica e água potável, alcançou a cota 4,75 metros com um tempo de recorrência de 370 anos.(Fonte) |
Há pouco descobri uma carta de minha mãe, então com 16 anos, descrevendo o que viu e sentiu naqueles dias. Achei interessante compartilhar aqui como um testemunho da época.
Porto Alegre, 26 de maio de 1941
Flavinha querida, Saudades!
Respondo com carinho tua querida cartinha de 28 do mez passado e que só me veio às mãos hontem. Imagina! Quasi um mez!
Como se foram de enchente? Aqui em Porto Alegre foi um assunto muito sério! As águas atingiram a Rua da Praia. A zona que mais sofreu foi Navegantes, São João e Menino Deus. Foi até Floresta e Passo da Mangueira.
Tia Maria sahiu de casa. Nós quasi que saímos pois faltou uns quatro metros para chegar aqui em casa! Zilá e Carlos passaram várias semanas aqui, flagelados. A água lá foi um bom pedaço acima do assoalho. Este estragou-se completamente, ficando todo embaulado.
A cidade esteve vários dias às escuras, sem água, sem leite, sem jornal, foi mesmo de assustar! A coitada da Belmira perdeu tudo, tudo...os móveis abriram-se todos, estragaram-se completamente.
Os trens pararam e o telegrafo interrompeu. Estávamos simplesmente isolados do interior. Cinemas, colégios, Faculdade de Medicina e Direito ficaram cheios de flagelados e o governo sustentando todo o pessoal. Flagelados 17.000! O professorado todo dando comida e cuidando deles.
No Pão dos Pobres foi até ao segundo andar, quasi cobriu a Igreja de Santo Antonio. Os meninos sahiram e o prejuízo foi calculado em 5 mil contos!Dizem que em São Jerônimo foi uma cousa horrorosa! Cachoeira (do Sul), a não ser as lavouras, a cidade não sofreu nada, mas o arroz perderam todo.
Farmácia Estrela - Quarto Distrito - Porto Alegre |
11/05/2024
Este será o primeiro dia das mães que passo sem ela. No meio dessa calamidade que nos acomete aqui no Rio Grande do Sul, dois fatos me fazem lembrar e a sentir aqui comigo. No sábado, o vaso chinês que tinha dado para a Lourdes, que sempre esteve conosco e a cuidou até o final, quase ia saindo pelo portão de sua casa alagada, mas deu meia volta, entrou pela porta, fez uma volta e ficou na escada para que a Lourdes pudesse pegar. E ver que o seu interior estava seco, nenhum papel havia se molhado. Outro foi a sua carta de maio de 1941 quando, jovem adolescente de 16 anos, vivenciou a grande enchente em Porto Alegre. A maior até agora. Tristemente lembrada como essa será agora. Reposte uma postagem de 2015 de meu blog onde tinha colocado suas palavras descrevendo o que acontecia na cidade. Um repórter do Globo encontrou e fez uma reportagem sobre essa carta (obrigada Bolívar Torres). Outra repórter do UOL também me entrevistou porque viu a primeira reportagem (obrigada Camila Corsini). Confesso que fiquei surpresa pela repercussão. Mas entendi com a voz do coração como sinais dela me dizendo que sim, se pode sobreviver. Que sim, estamos acompanhados. Que sim, mesmo nos piores momentos existe dentro de cada um de nós uma força de sobrevivência, de resiliência e de solidariedade que são muito maiores que as catástrofes que nos abatem. Assim como ela, órfã aos 10 anos, morando em casas de parentes, sobreviveu à enchente de 41 e se tornou uma mulher que viveu muito e muito ajudou a quem precisava, me legando essa herança linda de exemplos, vamos nós continuar daqui deste plano a garra de seguir adiante com fé e um sorriso no rosto. Obrigada mãe por estar sempre junto. Te amo para sempre.
13/05/2024
Minha relação com a água deve mudar. Não costumo ser uma pessoa consumista, com exceção de livros e material de papelaria. Mas a água...aquela que jorra na torneiras em um simples toque e a gente nem agradece o esforço e custo que isso significa, essa água que não tratava como o bem precioso que é.
Como arquiteta tenho pensado nos inúmeros casos de dificuldade de salvamento e resgate de idosos. Na necessidade de se organizar a defesa civil com recursos para planejar estes eventos, infelizmente cada vez mais frequentes. É a terceira enchente aqui em menos de um ano. Na necessidade de educação em todos os níveis para os cuidados com o meio ambiente. Na necessidade de um local pra centralizar informações criveis sobre os recursos de ajuda disponíveis.
Até aqui tivemos a ideia de que o Brasil estava livre de eventos desse tipo. Não mais.
Sairemos dessa. Mas é urgente que não mais de forma reativa nos próximos. O custo em vidas é recursos é muito grande. Temos que pensar em soluções e manutenção dos que já existem. E chamar e escutar muito mais os especialistas que se debruçam à anos sobre isso.
A semana começa com notícias não muito boas. As águas da serra descem para a região metropolitana, que é uma espécie de funil. O vento sul e elas devem fazer uma nova cheia, talvez maior que a da semana passada.
Ainda não terminou.
"Abobado da enchente" é uma expressão que surgiu durante a inundação de Porto Alegre em 1941. O seu significado é impreciso, mas provavelmente refere-se a pessoas que tiveram surtos de doenças devido à exposição às águas e às condições sanitárias da cidade
O que para mim era uma expressão engraçada, tipo um meme histórico, hoje faz todo o sentido. Mesmo eu, que estou segura, já tenho água encanada após uma semana sem, tenho luz e internet, sinto dificuldade de manter o emocional intacto. Cabeça lotada de noticias que tento catar de todos os meios de informação. Imagino que minha mãe, adolescente em 1941, sofresse exatamente pelo oposto: falta de saber o que acontecia. As notícias deviam correr de boca em boca e de maneira demorada já que a cidade estava alagada e às escuras. Hoje, exatos 83 anos depois, a cidade volta a se alagar em uma escala muito maior. Disponho de Inteligência Artificial, internet, redes sociais além dos portais de imprensa tradicional. O que tem me municiado de informação é o velho e bom rádio.
Confesso que entendi o termo abobado da enchente. Somos nós, os que olham os céus, acompanham os níveis dos rios, se assombram com os estragos, ficam de coração na mão com os sofrimentos. E o pior: impotentes por mais ou menos que ajudemos. É como se a natureza se voltasse com toda a sua fúria se voltasse contra quem a agride.
Muito legal Elenara! Documento histórico.
ResponderExcluirVerdade Helen! Por isso fiz questão de compartilhar. Obrigada pela visita, volte sempre! Abraços
ResponderExcluir2024 passando mesma coisa Guaíba 5.35 Metros
ResponderExcluirInfelizmente ainda pior que 41 onde o máximo foi de 4,75
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