Nossas cidades invisíveis são feitas de pessoas e momentos
Nossas cidades são feitas de pessoas e momentos. Mesmo as gigantescas como São Paulo.
Cena 1: Convergência. Banheiro de hotel. Desses econômicos em que as frescuras são economizadas. Sim, porque hotel tem em geral uma mística em que tudo é pensado para que o hóspede se sinta um rei. Ou um duque. Ou algo minimamente parecido com algo nobre. Nesses não. Enfim. No banheiro do hotel, saída. Uma rápida escovada nos dentes após um café da manhã dito saudável mas que é igual a todos os outros - um pouco de fruta, pães e queijos. Voltando ao banheiro. Um sorriso e duas pessoas estranhas conseguem falar, encontrar pontos de interesse no que vieram fazer na cidade estranha. Nada estranho. A não ser o contato olho a olho que vai se tornando cada dia mais raro. Talvez não afete tanto os visitantes.
MASP visto dos bancos do Charme da Paulista onde tantas histórias povoam as lembranças |
Cena 2: Divergência. Uma corrida de táxi. Pequena. Poucos quilômetros significam pouco dinheiro em troca. Motorista não muito jovem, não muito animado, não muito amistoso. "Senhora, não tenho troco, vai dar uns oito reais, espere um pouco..."Pede troco para um conhecido antes de tocar o carro. Criatura aqui, em pleno passeio, leve de alma, começa a contar as moedas, já pensa em nem pedir o troco e trocar mais moedas para que ele não tenha problemas nas próximas corrida. Bem bom fazer uma boa ação de manhã cedo. Chegada. Ele, de mau humor, me diz rápido: é aí. Tipo assim, corre fora que é cedo e tenho que ganhar a vida...Ofereço as moedas em troca do valor delas. Ele não entende nada. Acha que eu quero troco, que sou mesquinha, sei lá, e me joga de cara fechada o troco que eu nem ia pedir. Dois estranhos que em diálogos mudos não se entendem. E a cidade fica mais cinza e impessoal.
Os espaços que uma arquiteta concebe para um Museu é palco da vida que ecoa e pede mais - Espaço da cidadania |
Cena 3: Poesia. Turista corre na cidade fria com medo da manifestação, da polícia, de um possível ladrão. Espaço que aprendeu a admirar desde a faculdade. Admiração por aquela mulher que cruzou oceano e veio arquitetar aqui uma nova maneira de ver um Museu. Um espaço que fizesse parte da cidade, que abrisse o olhar para o verde em torno. Um monumento à arte. Na entrada o poeta do asfalto pára a turista. Deve fazer isso milhares e milhares de vezes por dia. Deve ouvir milhares de nãos apressados. Dedica a poesia de seu livro. A de número 11. Deve também fazer isso para todos. Uma técnica de marketing pessoal. Alguns param. Outros não. Eu parei. E o número 11 correu meus olhos em um VIR-a-SER, ...."É preciso dançar sobre os abismos, rir de tudo e de todos, superar o aqui e o agora - SER UMA PONTE E JAMAIS UM FIM...nada, absolutamente, nada pode ser considerado definitivo. CONCLUIR É ATROFIAR, ESTAGNAR, MORRER..."(Ivan Petrovitch). E não importa se a poesia é boa ou ruim. O universo deu o seu recado. E eu ouvi.
As frases de um livro que saem das paredes e entram na mente e coração de quem passeia e vê |
"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço."Ítalo Calvino
Os caminhos da vida e da morte convergem. E as almas são testemunhas |
"Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos."Ítalo Calvino
O passado me olha e me chama para que eu o relembre com o olho do coração |
Cena 5: TAO. Quem saí de um museu sempre saí um pouco diferente de quando entrou. Impossível não sentir as coisas com outro olhar, mais apurado. Mais vivo. Outro poeta, um pouco menos organizado, um pouco mais hippie, me aborda. Acha que me assustei. Mal sabe que o que me assusta nesse momento passa longe do contato humano. Me fala de seu livro. Na verdade umas folhas xerocadas com palavras obvias. Mas o Tao é assim. É obvio, e a gente quase nunca entende. "A pessoa do Tao não teme morrer. Por isso, não perece"(Cássio Carvalheiro). Os poetas se completam. Uma voz me diz que compre sim e dê de presente para amiga com quem vou almoçar. Não pelas palavras obvias. Mas pelo Tao.
O vicio que vira arte. Rua tem seus personagens |
As perspectivas da Arte que servem para humanizar e abrir os olhos |
"(...) cada pessoa tem
em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem
figuras e sem forma, preenchida pelas cidades particulares." Ítalo Calvino
Cena 7: Diálogo mudo. Sento na mesa de um café para esperar uma amiga - a que vai ganhar o livro do Tao, e observo um casal jovem que senta ao meu lado. Cada um mergulhado no seu celular. Não falam entre si. Devem se considerar normais. Não chamaram a atenção de ninguém. Devem ter achado normal.
Talvez sim. Talvez não. Não existem respostas únicas. |
Cena 8: Amizade. Uma cidade são as pessoas que nela habitam. São Paulo para mim se traduz em nomes: Oscar, Silvana, Sam, Guilherme, Regiane, Aline, Flávia, Ana, Anderson, Cristina....Não os prédios ou as avenidas monumentais que traduzem a grandeza da cidade. São as pessoas que a fazem ser grande. Trajetórias que se cruzam, interesses comuns em determinados momentos. Se a vida separa, a gente dá um jeito de unir. Nem que seja de vez em quando. Bom reencontrar a Cris em um desses momentos. Bom falar de nós, bom abrir o coração. Bom viver o momento. Tao. Convergência, poesia, reencontro, amizade.Tudo faz sentido, inclusive uma pequena divergência que apenas faz com que o olhar sobre o invisível dos laços urbanos se torne mais aguçado. Somos todos artistas urbanos.
Amizades que perduram além do tempo e do espaço físico |
Cena 9: Respostas ou Perguntas? Os dois. Embora uma eterna nômade pela vida, tenho uma imensa relutância de vagar sozinha pelas ruas. Sou uma solitária que precisa do bando. Quando tenho um dia inteiro em uma cidade que não é a minha, onde nunca morei e na qual não tenho raízes, meus medos de menina vem à tona. Talvez essas horas de sozinhez em um meio estranho me tragam mais certezas. Talvez não. Ou talvez apenas me aproximem mais do Ser Humano. O que todos somos, mesmo que esqueçamos vez por outra.
"De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas."
Ítalo Calvino
por cansaço ou algum movimento errado no teclado... perdeu-se meu comentário ao final da noite! vida em transição e o tempo tem outra dimensão ....Hoje novo reEncontro com com as amigas Elenara e Heleninha e volto aqui para reler, relembrar !
ResponderExcluirE confirmo! e sinto novamente a alegria e conforto acolhedor que foi naquele momento encontrar uma amiga nesta imensa cidade que amo, São Paulo.
Minha gratidão ao Universo que arquitetou este almoço em frente ao MASP ao lado de um pedacinho da Mata Atlântica na Avenida Paulista!
Para mim fez a diferença novamente! Bjs amiga Elenara.