Pinte-se de branco
A propósito dos projetos de lei que estão tramitando em São Paulo sobre a obrigatoriedade do uso de telhados brancos por TODOS os prédios, ou de telhado verde, segue opinião de nosso colega Arquiteto e Urbanista Oscar Muller
Nossos políticos estão trabalhando em uma nova lei. Coisa maravilhosa, podem pensar alguns, pois é para isto mesmo que votamos neles, e os colocamos em posição de decidir acerca das regras a que todos nos submetemos para boa convivência em conjunto. Ocorre que desta feita o objeto da sintaxe é o telhado que nos cobre. Todos sem exceção, segundo o projeto de lei que tramita, devem ser pintados de branco, e o texto da lei, como sói acontecer, é direto e taxativo: em 180 dias, às expensas de cada qual, e que fiquem nulas as disposições em contrário, etcetera e tal.
O intento se baseia da campanha "um grau a menos", que pretende diminuir o aquecimento global através de medidas como esta. Na teoria o telhado pintado de branco vai refletir mais os raios solares, diminuindo o calor interno da edificação, e consequentemente o uso de energia consumido pelos aparelhos de ar condicionado. A lógica é esta, pois a campanha nasce num contexto em que quase toda a energia elétrica provém de geradores a diesel, onde as construções já são virtualmente herméticas, e onde, pasmem, se gasta mais energia com calefação, do que com arrefecimento. Aqui talvez obtivéssemos maior economia pintando apenas as caixas dágua de preto, pois o vilão do consumo energético ainda é o chuveiro elétrico!
Se a lei é aprovada assim, todos teremos que pintar nossas coberturas, sejam feitas de sapê, telhas barro, lajes aparentes, ou o que for. Ocorre que a maioria das coberturas executadas com materiais naturais permitem que o ar mais quente, que sobe por convecção, escape, contribuindo assim para manter o conforto térmico do ambiente. "Respiram" como dizemos no nosso jargão profissional, e perderiam sua eficiência se pintados.
Quanto as lages expostas, coberturas em fibro-cimento, telhas de concreto, metálicas e outras, a pergunta que me faço é acerca da durabilidade da medida, uma vez que na megalópolis que habito, a incidência da forte poluição, agravada pelos fungos que atacam nossas coberturas, em pouco tempo tratariam de tornar o branco em gradações acinzentadas, concorrendo para o negro. Fico cogitando se isto demoraria mais do que os 180 dias para acontecer...
De mais a mais, ninguém se preocupou em estudar os efeitos causados por esta reflexão massiva (que São Paulo não é lá muito pequenina), em relação ao efeito estufa, ou dentro dos ambientes vizinhos com janelas mais altas, que receberiam a insolação refletida de baixo para cima, situação que aposto, nem o mais visionário dos projetistas sequer sonhou.
Penso também que se a edificação com cobertura branca de fato se aquecer menos com a incidência solar, isto causaria uma economia energética proporcional, pois se utilizaria menos o ar condicionado nos dias quentes, mas e no inverno? O telhado branquinho, reflexivo, não sabe se é verão ou inverno, reflete os raios solares da mesma maneira o tempo todo, impedindo também que o imóvel se aqueça nos dias mais frios. Então compraremos aquecedores, instalaremos sistemas de calefação, lareiras, e o que mais estiver disponível para voltar a viver como dantes no quartel de Abrantes... E como fica o proprietário da edificação simples, que já penou para comprar a tinta que a lei obrigou, e certamente perdeu alguns dias de trabalho fazendo a pintura antes que os peremptórios 180 dias vençam, e lhe seja aplicada alguma multa?
O citatino médio das grandes urbes vivencia a cidade desde as ruas, mormente muradas nas laterais por altos edifícios, ou tem dela uma triste paisagem desde a janela de algum destes edifícios, uma vista composta pelos telhados abaixo, e pelas ruas com parca arborização. Talvez a cidade ganhasse um ar modernoso em preto e branco, certo, o "vintage" está na moda, mas sustentabilidade também, e falando nisto...
Que tal se ao invés de obrigar indiscriminadamente com um "pinte-se tudo", a lei oferecesse incentivos fiscais para criação de coberturas vivas, e exigisse um estudo feito por profissional competente para salvaguardar as coberturas naturais, e implementar lajes com cobertura vegetal onde fosse possível?
Esta alternativa verde promove benefícios ambientais bastante mais eficazes pois tem o efeito de isolar, e não de refletir. Isolando, a cobertura tanto evita que o calor entre, como também que saia, permitindo que uma edificação com boas soluções de ventilação implementadas, possa se manter confortável tanto no verão, quanto no inverno. Mas há mais vantagens relacionadas com nosso caso específico.
Nossas urbes são impermeáveis. Se tornaram superfícies cobertas por concreto e asfalto (que tal pintar o asfalto de branco?), que deixam escorrer rapidamente toda a água precipitada em direção aos nossos rios, hoje quase que totalmente canalizados, sem capacidade para este volume multiplicado pela constante impermeabilização do solo, concorrendo para provocar as constantes enchentes que maltratam os paulistanos.
As coberturas vegetais retardam este processo, impedindo que a água precipitada caminhe imediatamente para as áreas mais baixas da cidade. Mais que isso, funciona como um primeiro filtro, permitindo que esta água seja acondicionada para uso nas descargas, torneiras de jardim, etc, certamente comporiam melhor paisagem para a cidade desde as janelas dos edifícios, oferecendo ainda mais qualidade de vida para os habitantes, pela simples criação destas pequenas áreas de lazer, tão preciosas para o urbanóide.
Também faz sentido culturalmente, quem sabe o tradicional churrasquinho na laje dos domingos, não poderá ser acompanhado de uma alface cultivada ali mesmo?
Fonte |
Jurema Oliveira/Wikimedia Commons |
Se a lei é aprovada assim, todos teremos que pintar nossas coberturas, sejam feitas de sapê, telhas barro, lajes aparentes, ou o que for. Ocorre que a maioria das coberturas executadas com materiais naturais permitem que o ar mais quente, que sobe por convecção, escape, contribuindo assim para manter o conforto térmico do ambiente. "Respiram" como dizemos no nosso jargão profissional, e perderiam sua eficiência se pintados.
Quanto as lages expostas, coberturas em fibro-cimento, telhas de concreto, metálicas e outras, a pergunta que me faço é acerca da durabilidade da medida, uma vez que na megalópolis que habito, a incidência da forte poluição, agravada pelos fungos que atacam nossas coberturas, em pouco tempo tratariam de tornar o branco em gradações acinzentadas, concorrendo para o negro. Fico cogitando se isto demoraria mais do que os 180 dias para acontecer...
De mais a mais, ninguém se preocupou em estudar os efeitos causados por esta reflexão massiva (que São Paulo não é lá muito pequenina), em relação ao efeito estufa, ou dentro dos ambientes vizinhos com janelas mais altas, que receberiam a insolação refletida de baixo para cima, situação que aposto, nem o mais visionário dos projetistas sequer sonhou.
Penso também que se a edificação com cobertura branca de fato se aquecer menos com a incidência solar, isto causaria uma economia energética proporcional, pois se utilizaria menos o ar condicionado nos dias quentes, mas e no inverno? O telhado branquinho, reflexivo, não sabe se é verão ou inverno, reflete os raios solares da mesma maneira o tempo todo, impedindo também que o imóvel se aqueça nos dias mais frios. Então compraremos aquecedores, instalaremos sistemas de calefação, lareiras, e o que mais estiver disponível para voltar a viver como dantes no quartel de Abrantes... E como fica o proprietário da edificação simples, que já penou para comprar a tinta que a lei obrigou, e certamente perdeu alguns dias de trabalho fazendo a pintura antes que os peremptórios 180 dias vençam, e lhe seja aplicada alguma multa?
O citatino médio das grandes urbes vivencia a cidade desde as ruas, mormente muradas nas laterais por altos edifícios, ou tem dela uma triste paisagem desde a janela de algum destes edifícios, uma vista composta pelos telhados abaixo, e pelas ruas com parca arborização. Talvez a cidade ganhasse um ar modernoso em preto e branco, certo, o "vintage" está na moda, mas sustentabilidade também, e falando nisto...
Fonte |
Que tal se ao invés de obrigar indiscriminadamente com um "pinte-se tudo", a lei oferecesse incentivos fiscais para criação de coberturas vivas, e exigisse um estudo feito por profissional competente para salvaguardar as coberturas naturais, e implementar lajes com cobertura vegetal onde fosse possível?
Esta alternativa verde promove benefícios ambientais bastante mais eficazes pois tem o efeito de isolar, e não de refletir. Isolando, a cobertura tanto evita que o calor entre, como também que saia, permitindo que uma edificação com boas soluções de ventilação implementadas, possa se manter confortável tanto no verão, quanto no inverno. Mas há mais vantagens relacionadas com nosso caso específico.
Nossas urbes são impermeáveis. Se tornaram superfícies cobertas por concreto e asfalto (que tal pintar o asfalto de branco?), que deixam escorrer rapidamente toda a água precipitada em direção aos nossos rios, hoje quase que totalmente canalizados, sem capacidade para este volume multiplicado pela constante impermeabilização do solo, concorrendo para provocar as constantes enchentes que maltratam os paulistanos.
As coberturas vegetais retardam este processo, impedindo que a água precipitada caminhe imediatamente para as áreas mais baixas da cidade. Mais que isso, funciona como um primeiro filtro, permitindo que esta água seja acondicionada para uso nas descargas, torneiras de jardim, etc, certamente comporiam melhor paisagem para a cidade desde as janelas dos edifícios, oferecendo ainda mais qualidade de vida para os habitantes, pela simples criação destas pequenas áreas de lazer, tão preciosas para o urbanóide.
Também faz sentido culturalmente, quem sabe o tradicional churrasquinho na laje dos domingos, não poderá ser acompanhado de uma alface cultivada ali mesmo?
Também gosto da idéia da cobertura vegetal. Li alguma coisa a respeito dos telhados de grama da Noruega e achei demais.
ResponderExcluirBom Fim de Semana!
Já temos uma petição pública on line acerca das coberturas sustentáveis.
ResponderExcluirAgora é momento para fazer barulho, veicular a informação, e pedir por adesões.
Para assinar:
http://www.peticaopublica.com.br/?pi=ARQ2011
Para recomendar:
http://www.peticaopublica.com.br/Recomendar.aspx?pi=ARQ2011
Arq. Oscar Muller