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Porto Alegre encontra os Nórdicos: Não é sobre copiar, é sobre adaptar

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Esses dias estava refletindo sobre uma coisa que me incomoda há tempos: essa mania de pegar modelos urbanos "de primeiro mundo" e querer aplicar na nossa realidade como se fosse receita de bolo. Em urbanismo, olhar os países nórdicos, Dinamarca, Suécia, Noruega, como modelos a se imitar é muito falado.  Mas calma, não estou dizendo que devemos ignorar essas referências. Pelo contrário. O que me incomoda é essa tendência de romantizar soluções estrangeiras sem entender que cada cidade tem sua própria biografia, seus próprios ritmos, suas próprias contradições. Se até lá estes modelos não são perfeitos como muitas reportagens querem deixar crer, imagine colar de paraquedas aqui, com outra cultura e realidade socioeconômica. O modelo nórdico não é perfeito, nem mágico. É resultado de décadas de tentativa e erro, de políticas públicas consistentes e, principalmente, de uma cultura de participação cidadã que foi construída ao longo de gerações. Os caras levam a sério algumas coisa...

Tecnologia sem empatia é barreira, não solução

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  Cada vez mais sentimos a necessidade de interagir com o mundo de forma digital. São os aplicativos de conversa, as redes sociais e os sites onde, teóricamente, se resolve a vida de forma mais simples. Mas…. Sabe aquela sensação de querer resolver algo simples online? Acessar um exame, conferir um extrato, agendar um serviço e acabar afundando num mar de abas, senhas, confirmações e interfaces que parecem mais enigmas do que soluções? Pois é. Agora imagine isso acontecendo com alguém que não cresceu no meio digital. Ou pior: com alguém que já está acostumado a navegar, mas mesmo assim se sente completamente desamparado diante de uma tela. Vamos ver vários casos que tive contato em poucos meses: Caso 1 A manhã que se perdeu tentando acessar um exame: “Outro dia, passei horas tentando ver um simples exame laboratorial. Era pra ser rápido. Mas o sistema da clínica exigia cadastro novo, senha forte, verificação por SMS (que nunca chegou)... e depois de tudo isso, erro no login. Resul...

Caminhar é um direito: cidades seguras e acessíveis são mais humanas e mais inteligentes

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  Na Semana do Caminhar 2025 (03 a 09/08), celebramos o gesto mais humano e simples: o de mover-se com os próprios pés. Desde 2017 ela é realizada, incluindo o Dia Mundial do Pedestre, no dia 8 de agosto. O tema de 2025 será sobre “Ruas abertas para pessoas”. Mas será que realmente temos algo a celebrar? Se formos olhar a realidade de nossas cidades, este gesto se tornou um privilégio. Na maioria delas o que vemos são falta de acessibilidade.  Em Porto Alegre, minha cidade, a chamada revitalização do Centro Histórico revela uma ferida cruel: a arquitetura da exclusão. O que deveria ser espaço de reencontro com o urbano, como sempre se caracterizou o centro da cidade, com seus edifícios e espaços históricos, virou campo minado para pessoas cegas, com calçadas niveladas ao asfalto, pisos táteis mal posicionados e lixeiras cortantes que ferem corpos e dignidades. Tudo isso em nome de uma “modernização” que ignora os princípios básicos do desenho universal. Esta não é apenas ...

A queda do abacateiro

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Desci apressada para um compromisso e comentei sobre as mortes de vizinhos no prédio. Quatro em um mês, constatou a faxineira. Pensava na impermanência da vida quando uma vizinha disse ser dia da árvore. Estranhei e minha memória rodou rapidamente tentando lembrar se tinha esquecido alguma data. Ao sair para a rua, soube então. Tinham cortado o abacateiro do terreno vizinho. O abacateiro já estava lá quando cheguei, há cinquenta anos. Era uma jovem estudante de arquitetura e minhas janelas não davam para o terreno onde ele vivia. Deve ter crescido em silêncio, mas com firmeza. Deu frutos por décadas. Muitos caiam em nosso pátio. Deve ter sombreado histórias que ninguém mais conta ou lembra. Foi testemunha de transformações urbanas, casamentos, separações, exílios e retornos. Talvez tenha abrigado mãozinhas infantis a buscar seus frutos. Era discreto como um velho sábio e, como tal, foi ignorado no fim. Talvez, assim como as pessoas que moram por aqui, tenha seu ciclo de vida e morte. A...

Moradias que Acolhem sem Isolar

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Introdução A longevidade humana é uma das conquistas mais expressivas das sociedades modernas. No entanto, ela impõe desafios urgentes: como garantir qualidade de vida, autonomia e pertencimento a uma população que envelhece em ritmo acelerado, especialmente em países marcados por desigualdades estruturais como o Brasil? Mais do que uma etapa final da vida, o envelhecimento é uma travessia que exige preparação, suporte coletivo e espaços que abracem as complexidades dessa jornada. Neste cenário, moradia é um tema central. Onde e como vivem as pessoas que envelhecem revela não só as escolhas urbanas e arquitetônicas de um país, mas o grau de compromisso social com a dignidade humana. Moradia e Envelhecimento: O Paradigma do Isolamento A institucionalização da velhice como resposta hegemônica às demandas do cuidado teve seu auge ao longo do século XX. O modelo das ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos) foi estruturado a partir de uma lógica biomédica e assistencialista, mu...

IA, Imagens e Incoerências: O Custo Energético de Ilustrar a Devastação Ambiental

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Quando escrevi sobre a devastação ambiental , recebi uma crítica bastante pertinente: por que usar uma imagem gerada por inteligência artificial em um texto que denuncia o colapso da natureza? Agradeci. Mesmo sabendo que ferramentas de IA têm alto custo energético, eu ainda não havia me debruçado com atenção sobre esse paradoxo. Desta vez, escolhi ilustrar o texto com uma fotografia real, feita por mim nas Missões do Rio Grande do Sul, em 2013. Mas eis outra ironia: toda a pesquisa que embasou este artigo foi feita com auxílio de aplicativos de IA. Como, então, conciliar a luta em defesa do meio ambiente com o uso crescente da inteligência artificial em nossas vidas? Por Que as IAs Consomem Tanta Energia? Pense na IA como um supercérebro: para funcionar, ela precisa de uma quantidade colossal de eletricidade. Para aprender a gerar imagens ou responder perguntas, são usados computadores extremamente potentes que ficam ligados por dias, semanas, às vezes meses. E a energia que os aliment...

Proteger o meio ambiente é também proteger quem envelhece

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Vamos refletir juntos sobre uma questão fundamental para a vida de todos:  O que é envelhecer bem? Para muitos de nós é ter saúde, autonomia, ar puro para respirar, sombra para caminhar, vizinhos por perto, segurança e, principalmente, paz de espírito. É poder sair de casa sem medo de alagamento, calor insuportável ou poluição. Parece simples mas já vivemos consequências de prejuízos ao meio ambiente e agora isto está ainda mais em risco. No dia 17 de julho de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2159/2021, conhecido por muitos como o PL da Devastação. Esse nome não é exagero. Porque apesar de parecer um tema técnico e distante, ele mexe diretamente com nossas vidas, nossas cidades e com o futuro de quem já viveu tanto. Vamos pensar juntos em como esse assunto diz respeito a todas as pessoas, especialmente as mais velhas. Afinal, o que muda com o PL? O PL 2159/2021 altera as regras do licenciamento ambiental, ou seja, o conjunto de exigências que empresa...