Fábula do Caminhante - Redescobrindo a Cidade com os sentidos

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As fábulas existem como contação de histórias. Reais ou imaginárias, não importam, porque fruto da imaginação criativa de redescobrir o mundo e a cidade com novos olhares. Além das ruas e dos conceitos arquitetônicos. Além dos índices urbanísticos e dos planejamentos de expertos. Uma fábula recontada por um caminhante que redescobre sua cidade, percorrendo suas rotas.

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Nos últimos tempos, algo mudou nas minhas caminhadas pela cidade. Comecei a olhar menos para as fachadas perfeitas e mais para as sensações que o espaço me desperta. Muito disso, devo aos ensinamentos de Juhani Pallasmaa, que me fez perceber que a arquitetura não é só para ser vista – ela é para ser sentida. E nesse processo de "sentir" a cidade, tenho aprendido muito com as pessoas que encontro, especialmente os mais velhos, que parecem enxergar a cidade de um jeito que continuamente redescubro.

Uma delas, que defino como sentindo a Cidade com os pés no chão, onde cruz
ei com uma senhora que fazia questão de andar lentamente, prestando atenção ao que a maioria das pessoas ignora. Me aproximei dela num momento em que nossos caminhos se cruzaram em uma calçada de pedra portuguesa desgastada. Conversamos sobre como as texturas do chão carregam histórias e como essas superfícies nos contam sobre o tempo que passa. Ela falou com uma nostalgia, lembrando de como as ruas já foram pavimentadas de maneira diferente, mais artesanal. A maioria das pessoas passam apressadas, ignorando que as pedras sob nossos pés pudessem ter tanto a dizer. Há inclusive governantes que os arrancam com um desensatez ávara de significados, imaginando talvez que modernizar seja despir de memórias ancestrais os caminhos que hoje exigem pressa de quem não tem tempo para viver ou pensar.

Há os sons que contam Histórias como quando, sentada em um banco de praça, ao lado de um senhor, ele, do nada, começou a falar sobre os sons da cidade. Reclamava do barulho do trânsito, mas logo lembrou que gostava de ouvir as vozes das crianças brincando e o som das folhas das árvores sopradas pelo vento. Me fez perceber como o som cria camadas na nossa experiência urbana. A cidade pode ser barulhenta e caótica, mas também tem momentos sutis, quase silenciosos, que nos convidam a parar e escutar. As pessoas talvez fiquem surpresas de como essa percepção de som pode mudar seus humores e até o seu ritmo de vida se tirassem os fones de ouvidos e os pensamentos rotineiros, abrindo os ouvidos para a Vida que acontece ao seu redor.
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Aromas que evocam memórias. Já prestaram atenção aos cheiros da cidade? Já se deixaram guiar por eles? Uma tarde, em uma conversa despretensiosa com uma senhora enquanto esperávamos o carro do aplicativo, ela comentou como certos lugares a faziam lembrar de tempos antigos. O cheiro de café saindo de uma padaria, o aroma de flores no mercado de rua... Ela me disse que o cheiro da cidade a conectava com as lembranças de sua juventude. Isso sempre me fez pensar em como o olfato é poderoso – um cheiro pode nos transportar para outra época, outra emoção. Esses aromas urbanos, que muitas vezes ignoramos, também fazem parte da arquitetura de uma cidade. 
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Na Luz e Sombra: Os pequenos e grandes refúgios. Uma das primeiras lições da faculdade de arquitetura é como a luz e a sombra transformam um lugar. Mas notar como isso acontece na prática é sempre uma redescoberta linda. Em uma conversa com um senhor, que estava sentado na sombra de uma árvore enorme, e ele me dizendo que a sombra daquela árvore sempre foi o seu lugar de descanso, um refúgio da correria do dia a dia. Senti uma paz ali, na companhia daquele senhor e da sombra que parecia envolver tudo ao nosso redor, como um abraço. Lembro também naquela madrugada na casa da praia quando acordei para buscar água e a lua iluminando a sala escura era pura magia. Lembro daquele momento ate hoje como um ensinamento das belezas da vida.

A Arquitetura das Memórias. As conversas com os mais velhos, parentes ou clientes, me ensinaram algo que não aprendi na faculdade. A arquitetura não é apenas sobre estética ou técnica – é sobre como os espaços se conectam às nossas memórias. Sempre que passo por um prédio antigo, penso nas histórias que ele poderia contar. Penso nas famílias que viveram ali, nas mudanças que o tempo trouxe. Como uma senhora uma vez me disse, "As paredes têm ouvidos. Elas guardam tudo o que vivemos." É uma visão que mudou completamente minha forma de trabalhar e de me relacionar com os espaços urbanos. Cada espaço que vivemos carrega nossa energia e nossos sonhos ali depositados. Olhar um prédio como mero conjunto de tijolos e vidros é relegar a um segundo plano alguma coisa muito mais preciosa e intangível.

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Meu aprendizado diário com a cidade, com seus cheiros, sons, texturas e luzes, tem sido uma jornada enriquecedora, e muito disso devo às pessoas com quem compartilho essas caminhadas. Especialmente os mais velhos, que carregam uma sabedoria sutil sobre a cidade que só o tempo e a experiência proporcionam. A cada conversa, a cada troca de olhares, sinto que a cidade se revela de maneira mais profunda, mais humana. Um verdadeiro convite à descobertas. E por isso deixo aqui a moral da história, que toda fábula que se preze, tem uma. Ou várias: 

Quando estiver caminhando por sua cidade, pare e preste atenção aos detalhes que muitas vezes passam despercebidos. 
Converse com quem já caminhou por essas ruas muito antes de você. 
Sinta a cidade com os pés, ouça com calma, respire fundo e deixe as memórias surgirem. 
Porque, no final das contas, a arquitetura não é apenas feita de tijolos e concreto – ela é feita das experiências de todos que por ela passam. 
E isso é o maior maior aprendizado que este caminhar tem para nos ensinar.

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